Raros autores revelam uma poética tão inteligente, refinada,
bem-humorada e sarcástica como Markus
Zusak. A poesia que perpassa “A Menina que Roubava Livros” emociona o leitor
sem ser piegas, desperta nele tanto alegria como tristeza, tanto revolta,
quanto um certo conforto moral. Há muito tempo o escritor pensava em escrever
sobre um personagem que furtava livros, mas sua ideia ainda não estava
amadurecida. Quando pensou em unir este desejo ao de retratar o que seus pais
haviam experimentado na época do Nazismo, nasceu este livro inesquecível.
Markus destaca neste romance a importância das palavras em um dos
momentos mais dolorosos já vividos pela Humanidade. Realmente, ao lado da
protagonista, Liesel Meminger, e de seu companheiro de aventuras Rudy Steiner, brilham as palavras, personagens especiais deste enredo, sempre no
centro da ação, nas entrelinhas ou na tessitura da narrativa. Palavras que
constroem e destroem, que Liesel ama e odeia. As cores também se sobressaem
nesta história que se passa na época do Nazismo, em plena
Alemanha hitleriana, narrada por ninguém menos que a Morte, sob o ponto de
vista desta e com seus comentários geniais intercalados à narrativa. Aliás,
esta narradora tem um jeito bem peculiar de interpretar as lembranças de
Liesel, gravadas em seu diário – na verdade um livro, no qual a menina se
reconcilia com as palavras e grava a essência de sua existência -, perdido
durante a Guerra e resgatado pela Morte, que o traduz ao leitor.
Nesta obra, o autor, através da Morte, tenta provar a si mesmo e ao
leitor que a vida, apesar de tudo, vale a pena. Ele se confronta com os
fantasmas de seu próprio passado, presentes na trajetória de sua família
durante o Nazismo.
Para a narradora, não importa saber o que vai ocorrer no final do
romance, o mistério suspenso, mas sim o trajeto narrativo e toda a riqueza
inerente a ele – os recursos estilísticos, a prosa poética, a magia oculta nas
entrelinhas, a emoção e o humor inusitado que se revelam aqui e ali, as surpresas
linguísticas, as tiradas metanarrativas, muitas vezes irônicas, doadas ao
leitor pelo autor, através de sua narradora. Desta forma, o escritor questiona
a narrativa tradicional, os mecanismos estratégicos que geram e mantêm o
suspense, até a solução final do
enigma, os quais condicionam a história à resolução deste, desprezando muitas
vezes o valor da narração, as riquezas que dela podem ser extraídas. O
autor propõe aqui uma valorização do percurso, dos recursos narrativos, da
apropriação da linguagem como o próprio núcleo do enredo.
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